Hoje, não é meu dia.



























 Hoje eu me recuso, não é meu dia, não pode ser, nem por uma piada sem graça da vida.
Tem muitas coisas que deixei de fazer, outras não fiz pela falta, de tempo, falta de dinheiro, falta de coragem.
Eu não realizei meus sonhos, nem disse o que eu queria dizer as pessoas que amo ao mundo. Fiquei em silêncio em tantos momentos que deveria ter falado... 
E também, não ouvi metade das coisas que pretendo ouvir "um dia".
Não terminei de ler aquele livro, não comecei o meu poema, não dancei aquela música. Não fiz uma grande viagem.
Me recuso, não é meu dia.
Não me realizei profissionalmente, amorosamente e nem fisicamente. Definitivamente, me recuso.
Eu não fiz grandes descobertas e não desenvolvi grandes projetos, não me desenvolvi do jeito que planejei.
Hoje eu não vou morrer, porque quero colocar aquele salto que sempre prometi "um dia" usar e vou sair para beber com minhas amigas em um bar qualquer, como dissemos "um dia" ir e nos esbaldar de tanto rir e dançar...Pra relembrar o passado e refazer diante do futuro, mudando atitudes do presente.
Dançar...Pra sentir as pernas doerem no outro dia, beber e sentir ressaca, pra sentirmos que ainda consegueríamos sentir alguma coisa além de pressa de chegar á algum compromisso, além de vontade de marcarmos de nos reunir, e nunca conseguir fazer isso, devido á correria da vida e as obrigações de mães, esposas, funcionárias e assim vai.
Hoje, não, me recuso, não é meu dia, porque eu ainda preciso tentar aquela receita da minha vó na ceia de ano novo, ainda preciso cumprir a promessa de usar uma fantasia sexy  pro meu marido, da qual  por vergonha dos excessos nunca vesti.
Hoje não dá , eu me recuso, ainda não expliquei pro meu filho como seria sua vida se eu partisse, ele ainda nem sabe que o papai noel não existe, não aprendeu amarrar o tênis e também de mais a mais, ainda preciso leva-lo pra conhecer o parque do Ibirapuera, ensina-lo a ler e leva-lo á biblioteca. Prometi que "um dia" o ensinaria á nadar e o levaria á praia...
 Eu preciso me reconciliar com o passado, ainda preciso perdoar e pedir perdão.
Preciso fazer inscrição naquele curso de fotografia, terminar a faculdade...terminar meu livro, terminar meus dias sentindo que vivi minha vida e que ela foi minha só minha e de mais ninguém.
Que eu vivi intensamente pra ser feliz.
Me recuso, hoje não...não é meu dia.
Hoje eu não quero e não vou morrer...Não posso morrer sem ter vivido.
 Se houvesse dito a minha mãe o quanto á acho bonita e sempre admirei á sua força , primeiro, por trabalhar tanto e esquecer-se dela, pra nos criar, pra nos dar o melhor, depois,  por aguentar o que aguentou pra nos ver unidas, e por último, por ela ter visto que isso nunca seria possível, mas não ter sido motivo suficiente pra impedi-la de tentar.
Se houvesse dito á ela que sempre á amei e pensei nela todos os dias ao levantar-me da cama, dizia á mim mesma, que eu podia conseguir tudo aquilo que eu quisesse se eu lutasse, pois minha mãezinha havia me ensinado que sem lutas não há vitórias...se ao menos tivesse dito, poderia morrer tranquila.
Se eu houvesse falado aos meus amigos que eu sempre os amei e fiz de tudo para visita-los e estar perto de alguma maneira, que sofri a dor deles mesmo de longe, eu poderia ter paz em minha morte.
Se eu tivesse ensinado meu filho á andar de bicicletas e dizer bom dia, boa tarde, boa noite e com licença por favor, poderia aceitar que este fatídico dia chegou, e é hoje...mas não, então, me recuso á morrer agora.
Eu não me casei no papel, nem vesti um vestido de noiva como sonhei, nem por curiosidade...eu não assumi á meu marido que ronco e babo quando estou dormindo e nem pedi desculpas pelas vezes que descontei meu nervosismo, minha tpm, minha revolta com minha família e com os problemas do mundo nele.
Não posso morrer hoje, assim, sem mais nem menos, sem dizer á ele que mesmo quando passamos por dificuldades, eu sempre o admirei por me aguentar e estar segurando minha mão quando tive medo de ir ao dentista, de ir ao médico, na sala de parto...nunca lhe disse que me sentia mulher, bonita e capaz, quando ele me olhava , nunca mais eu lhe disse "eu te amo". Se ele não souber o quanto foi e é importante pra mim eu não terei paz.
Não cumpri várias promessas que fiz á meus sobrinhos, não cantei em público, não perdi aqueles cinco quilos na academia, não participei de nenhuma manifestação, não conheci nenhum politico honesto, e nem me perdoei de sentir raiva e mágoa de pessoas que eu amava.
Nunca senti que era dona de minha vida, sempre trabalhei para os outros e nunca disse sinceramente, hoje estou verdadeiramente feliz...talvez não tenha dito porque não tenha sentido isso dentro do meu coração, me recuso, hoje não é meu dia vou buscar esta felicidade antes de partir.
Não fiz muita coisa, não disse quase nada , quase não fiz o que queria.Trabalhava para os outros, segui as regras, fui honesta, fui gentil.
Porque precisava ser alguém e chegar á algum lugar, precisava agradar aos outros pra conquistar coisas, pessoas, não fui quase a metade do tempo em que passei viva.
Fui passiva quando não devia e omiti muitas opiniões por medo de não ser aceita...Me recuso, esta outra metade de tempo, quero ser eu e viver pra mim.
Priorizei o futuro sempre, achava preciso ter um futuro seguro e estável, me recuso á morrer agora, sem aproveitar a segurança e estabilidade que sempre batalhei para um futuro, do qual chegou e eu estarei morta?Me recuso, hoje não é meu dia.
Será que se eu não morrer hoje vou fazer e dizer tudo aquilo que deixei de fazer?
Serei eu mesma, andarei sem pressa e serei feliz?
Viverei intensa e lindamente e vou tomar posse da minha vida?Sentindo que ela minha e só minha?
Na verdade...acho que nunca estive tão viva quanto agora que estou morta!



Silêncio...

Tamanha era sua vontade de falar, mas não maior que seu medo de usar as palavras erradas e parecer incorreta, fútil, sem graça... Ficava então, á gritar em seu silêncio.
Preferia não comentar, preferia observar, mas, em seu pensamento, se colocava diante de diversas situações e na sua fantasia, se impunha, falava, discutia, gritava, lutava com as armas do argumento e ali não achava que o silêncio era melhor opção...
Em sua fantasia não era covarde e não se omitia em gritar somente no pensamento.
Tantas vezes permaneceu calada, tantas idéias e sentimentos foram desperdiçados, guardados dentro de si que a sensibilidade transformou-se numa cruel armadura daquele que não demonstra seus sentimentos e nem verbaliza sua opinião... Sobre o amor, sobre a dor... Sobre nada... E no nada se perdeu.
Foi morrendo aos poucos, pois a cada vez que em silêncio ficava ao invés de expressar sua opinião, matava um pouco de si, e deixava de acreditar em pessoas, em mudanças que através de ações causam mudanças... porque não tinha coragem de agir e dizer que não, não estava feliz, não estava satisfeita, não estava á vontade...de dizer qualquer coisa pra se ouvir, se rever e sentir-se viva...
Preferiu suicidar-se no seu próprio silêncio fazendo de sua vida um filme mudo, calando-se, omitindo-se e deixando de expressar o que sentia, se entregou ao quem cala consente e, nunca mais foi si mesma, pra não desagradar os outros, pra não parecer inconveniente, pra não parecer rebelde...calou-se pra evitar desavenças devido as diferenças de ponto de vista e sofreu a vida toda...
Entendeu que calar-se evitava muitos males, menos sentir dor...e gritou pedindo ajuda, mas ninguém ouvia seus pensamentos.